Veja a história e os sucessos que marcaram a carreira de Moraes Moreira
O artista que passou por todos os estilos musicais, dominando-os com maestria e carimbando seu nome na história da MPB, deixa uma obra extensa construída em 50 anos de carreira, dos 72 em que viveu.
Antônio Carlos Moreira Pires nasceu em 1947, em Ituaçu, interior da Bahia. Na época de estudante em Caculé, no sudoeste baiano, aprendeu a tocar violão, e a música chegou para ficar na vida do rapaz que, aos 19 anos, se mudou para Salvador.
Na capital baiana, conheceu o compositor Tom Zé e entrou em contato com a cena de rock local. Já com o nome artístico de Moraes Moreira, fundou no fim da década de 1960, um grupo que faria uma revolução na música popular brasileira, ao lado de Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo e Pepeu Gomes: os Novos Baianos.
A banda se mudou para o Rio de Janeiro. No começo, moraram todos juntos num apartamento em Botafogo, e, em seguida, num sítio da Zona Oeste do Rio. Levavam uma vida em comunidade, com muita música e futebol. A partir do segundo disco, o som dos Novos Baianos se transformou. Influenciados por João Gilberto, eles juntaram ao rock elementos de samba, frevo, maracatu e criaram um estilo inconfundível. O disco “Acabou Chorare” é considerado um clássico da MPB.
Em 1975, Moraes Moreira deixou os Novos Baianos: queria voar sozinho e conseguiu. Depois dos Novos Baianos, Moraes Moreira continuou fazendo história. Isso porque, até meados da década de 70, os trios elétricos só tocavam músicas instrumentais para arrastar os foliões, e com Moraes isso mudou. A Praça Castro Alves, tradicional reduto da folia baiana, foi testemunha.
Moraes Moreira foi o primeiro cantor a subir num trio elétrico. No carnaval de 1976, ele puxou a multidão no trio de Armandinho, Dodô e Osmar.
A paixão pelo Flamengo era uma inspiração. Um dos momentos mais marcantes da carreira foi na primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Moraes cantou duas noites para milhares de pessoas.
Quatro anos atrás, Moraes Moreira se juntou aos outros ex-integrantes dos Novos Baianos e o grupo percorreu o Brasil, matando a saudade dos fãs.
Moraes Moreira também era presença constante no carnaval de Salvador. Na última participação, este ano, ele voltou à Praça Castro Alves, que o consagrou como cantor de trio. Moraes e o violão, uma dupla inseparável, e agora, eterna.
Assim que a notícia chegou, esta foi a reação dos vizinhos, no bairro da Gávea, Zona Sul do Rio, onde o baiano é lembrado com muito carinho. “Moraes Moreira era uma presença que lembrava a gente de um Brasil melhor”, contou um morador.
Aos 72 anos, Moraes Moreira foi encontrado morto em sua casa, no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, 13 de abril, após sofrer um infarto, segundo sua assessoria.
Veja a homenagem de Baby do Brasil à Moraes em seu instagram:
“Deixa saudade e uma grande obra”, escreveu Gilberto Gil, em homenagem ao amigo e conterrâneo. Assim como artistas que caminharam com Moraes e também da nova geração, fizeram questão de prestar a sua homenagem pelas redes sociais, bem como internautas e profissionais liberais e da imprensa do país, homenagens que devem durar toda a semana, visto a importância do artista para arte e cultura da Bahia e do país.
Veja uma das homenagens de Armandinho Macedo no seu instagram ofical.
Para relembrar a carreira desse artista que fez história com o grupo Novos Baianos e em carreira solo, confira alguns dos grandes sucessos e composições.
Preta Pretinha
A Praça e o poeta
Com letra de Luiz Galvão, Moreira musicou aquele que seria um dos maiores sucessos dos Novos Baianos. A canção faz parte do álbum Acabou Chorare, de 1972, e não demorou muito para virar febre nas rádios pelo país.
O grupo foi formado em 1969, em Salvador, do encontro de Luiz Galvão, Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo, hoje conhecida como Baby do Brasil. Em 1970, lançaram o primeiro LP, É Ferro na Boneca, com rock e inspirações psicodélicas e da Jovem Guarda.
A letra de Preta Pretinha, repetitiva, vem de um romance frustrado de Galvão com uma jovem de Niterói (RJ), como ele contou no livro Anos 70: novos e baianos — daí a referência à barca, que liga o Rio de Janeiro à cidade do outro lado da Baía de Guanabara.
Pombo Correio
Não é exagero dizer que o carnaval brasileiro tem uma mão de Moraes Moreira.
Foi com a marchinha Pombo Correio, em 1978, que a arte de Moreira ganhou as ruas em fevereiro. Até então, os trios elétricos de Salvador, criados por Dodô e Osmar, tocavam apenas música instrumental.
Por isso, Moreira é considerado o primeiro cantor de trio elétrico do Brasil, abrindo o caminho para uma geração de artistas da Bahia.
Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira
Moraes Moreira contava que a ideia dessa canção surgiu após uma noitada no Rio de Janeiro, junto ao seu amigo João Gilberto.
A presença do carioca na comunidade dos Novos Baianos, que passaram a morar no Rio, é considerada essencial para o caráter múltiplo do grupo, fundindo samba, frevo, baião, rock, etc.
“Numa daquelas ladeiras maravilhosas do Rio, João viu uma mulata descendo de manhã com todo o suingue, toda energia, partindo pra vida, mas sem se queixar de nada. Ele olhou e disse: ‘Olha lá o Brasil descendo a ladeira’. E daí nasceu essa música”, declarou Moreira na gravação do acústico MTV, em 1995.
O sucesso está no disco solo homônimo, lançado em 1979 e que consolidou a carreira de Moreira nos anos seguintes.
Chão da praça
Do mesmo disco Lá vem o Brasil descendo a ladeira, veio outro hit de Moreira: Chão da Praça. A canção é considerada uma das antecessoras do que viria a ser rotulado como axé music na década de 1980. A música é uma composição de Moreira com o cearense Fausto Nilo.
No livro Sonhos Elétricos, Moreira contou qual foi a ideia para a composição: ” Era na verdade uma grande homenagem à praça do Poeta, que já vinha sendo referenciada também por outros artistas.”
A praça em questão é a Castro Alves, no coração do centro de Salvador, em homenagem ao autor de O Navio Negreiro. A canção segue sendo um dos hinos do carnaval da Bahia.
Besta é tu
Com composição conjunta com Luiz Galvão e Pepeu Gomes, Besta é Tu ficou imortalizada na voz de Moraes Moreira. A canção também faz parte do Acabou Chorare, o álbum mais emblemático dos Novos Baianos.
“Besta é tu” é, na verdade, uma forma de aprendizado de violão, chamada assim no interior da Bahia onde Moreira nasceu.
“É no tom de Lá menor, que é o primeiro tom que a pessoa aprende. Quando consegue fazer o besta-é-tu, é uma felicidade”, demonstrava Moreira em seus shows.
Lenda do Pégaso
Em 1980, Moares Moreira lançou o LP Bazar brasileiro, em carreira solo. Em parceria com Jorge Mautner, um dos grandes nomes da MPB, compôs a música de Lenda do Pégaso, uma fábula em forma de canção, comprovando o teor criativo e inovador do trabalho de Moreira.
A canção quase infantil é sobre um passarinho tido como feio que queria ser outras aves, enxergando nelas qualidades que não possuía.
“Aí então Deus chegou e disse: pegue as mágoas, pegue as mágoas e apague-as. Tenha o orgulho das águias. Deus disse ainda: é tudo azul, e o passarinho feio virou o cavalo voador, esse tal de Pégaso”, encerra a música.
Mistério do Planeta
Também parte de Acabou Chorare e também da parceria entre Moreira e Luiz Galvão, Mistério do Planeta é um dos sucessos que permanecem na boca dos brasileiros até hoje.
“Vou mostrando como sou. E vou sendo como posso. Jogando meu corpo no mundo. Andando por todos os cantos”, começa a canção.
É uma das músicas que mostra um dos aspectos importantes da música dos Novos Baianos e Moraes Moreira, que é a incorporação de diversas vertentes musicais e a ode à liberdade artística.
Em 17 de março, Moreira publicou o seu último post no Instagram, com um cordel sobre a quarentena, onde escreveu: Vivemos num mundo insano. Queremos mais liberdade. Pra que tudo isso mude. Certeza, ninguém se ilude. Não tem tempo, nem idade”.
Sua musicalidade criativa fez de Moraes Moreira o músico mais inventivo da música brasileira, onde produziu durante 51 dos 72 anos que viveu.
Festa do Interior não podia faltar na coletânea de grandes sucessos desse artista, que compôs com Abel Silva, tornou-se um hino dos carnavais e micaretas através da voz da cantora de Gal Costa.
Fonte: Matéria via BBC/ G1/ Reedição Donaire Verçosa