Política

Os bastidores da CET e seus desdobramentos

A aprovação da Lei 566/2021 pela Câmara Municipal de Catu, sem a observância da sua constitucionalidade ou conformidade com a Lei Complementar Nº  173/20, pode desencadear uma grave crise para o Executivo Municipal.  

Para aprovar o Projeto de Lei 01/2021 encaminhado pelo Poder Executivo Municipal, a Câmara Municipal de Catu convocou seus membros para, em Sessões Extraordinárias, analisar e votar o referido PL. Em sessões realizadas nos dias 22 e 26 de janeiro, os vereadores apreciaram o Projeto de Lei 001/2021 e, após análise das Comissões de Redação e Justiça e também de Finanças e Orçamento, o PL foi referendado, tendo seu texto original mantido sem emendas de qualquer tipo. Foi criada a Lei N 566 de janeiro de 2021, que segundo seu próprio texto, deverá ser regulamentada por decreto do Executivo.

Sem as especificações, a CET pode ser paga a qualquer pessoa, desde que seja comissionada ou efetiva. Não importando sua qualificação, complexidade do serviço prestado ou expertise para o desempenho da função. A Prefeitura também esclareceu que, a média geral de remuneração de gratificações por CET é de 55%. Questionada sobre quem teve direito à CET, respondeu que,  “ a divulgação dos nomes foi feita através dos Decretos de Concessão, no Diário Oficial do Município, que além das funções também estabeleceu os valores e a data de vigência da concessão. Os pagamentos foram realizados a partir da autorização legislativa, sendo incidentes na folha de janeiro do ano em curso, razão pela qual a mesma foi paga no início do mês de fevereiro”. Entretanto, muito embora os decretos frisados tragam os nomes e percentuais ( não valores) atribuídos a cada servidores beneficiados pela gratificação, não traz os valores dos salários relativos a cada cargo. Ou seja, o cidadão comum  ainda não tem acesso aos valores monetários pagos a cada um dos beneficiados, mas sendo está uma informação de caráter público e que ainda não está acessível à todos os contribuintes .

No dia 1º de março de 2021, a Prefeitura Municipal Publicou o Decreto Nº 055 de 23 de fevereiro de 2021, que regulamenta a Lei nº 566/21, que cria a CET. Entretanto, o decreto imitou-se a repetir o texto da Lei 566/21, não trazendo nenhuma normatização ou exigência para atribuição da gratificação. Consultada, a Prefeitura informou que a CET foi paga no mês de janeiro e fevereiro, obedecendo aos critérios estabelecidos pela Lei Nº 566/21. Ocorre que, nem a Lei ou o Decreto criam qualquer critério especifico para a concessão da gratificação. Apenas assinala que a CET é destinada a “ a servidores ocupantes de cargos de provimento permanente ou de funções e cargos de provimento temporário ou cargos em comissão”, omitindo o que vem a ser uma condição especial de trabalho, quais são as características dessa condição e, quais as competências ou capacitações que os ocupantes dos cargos comissionados ou efetivos devem ter para se qualificar a tal gratificação.

Geralmente, o acesso a informação sobre a folha de pagamento pode ser encontrado no site do Tribunal de Contas dos Municípios – TMC. Em contato com o TCM, o Catu Acontece apurou que a disponibilização das informações sobre folha de pagamento e demais prestações de contas mensais, é regulada pelo R E S O L U Ç Ã O Nº 1.060 DE 26 DE ABRIL DE 2005. Que foi modificada pela RESOLUÇÃO n.º 1340/2016. A Resolução 1340/2016 estabelece que,

 “ as Prefeituras..enviarão os documentos ao Tribunal de Contas dos Municípios – TCM, exclusivamente, por meio eletrônico, através do sistema e-TCM…até o último dia do mês subsequente àquele a que se refere a prestação de contas mensal” ( Art. 1º). Ou seja, a informação do TCM diverge da emitida pela Prefeitura Municipal. Nesse caso, os dados referentes à Folha de Pagamento do mês de janeiro deveriam ser encaminhados no dia 28 de fevereiro. A Prefeitura de Catu, em nota, informou que essas informações também podem ser acessadas em seu site. Entretanto, não apontou qual seria o link para o acesso.

Aprovação da CET

Durante a Sessão Extraordinária do dia 26 de janeiro, vários vereadores se manifestaram sobre a legalidade e oportunidade do projeto apresentado, suas manifestações estão registradas em vídeos das transmissões da referida sessão, salientando que o mesmo possibilita a correção de distorções existentes em relação aos salários dos servidores públicos.

O Parecer da Comissão de Redação e Justiça, cujo teor completo não foi encontrado nas publicações do Diário Oficial da Câmara Municipal de Catu que, também não disponibiliza acesso a íntegra das atas, foi apresentado como favorável ao texto apresentado sem, no entanto fazer qualquer menção a Lei Complementar  Nº 173 de 2020 que, por contingência da pandemia de Covid-19, em seu Artigo 8º , deixa claro a proibição de “conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública”. Ou seja, a análise da Comissão de Redação e Justiça da Câmara Municipal de Catu não se apercebeu da existência de uma Lei Complementar Federal que proíbe a criação de leis que visam oferecer reajustes, vantagens, gratificações ou outras ações administrativas que redundem em aumento de gastos nas folhas de pagamento nos três níveis da administração pública brasileira. Por desídia ou falta de competência, o que se prefere não crer, não se sabe.

O mesmo descuido foi seguido pela Comissão de Finanças e Orçamento que, à sombra da Comissão de Redação e Justiça, ratificou a correção do texto proposto pelo Executivo Municipal.  No site da Câmara Municipal de Catu, que ainda aponta como Presidente do Poder Legislativo, o ex-vereador Marcelo Calasans, e como membros de Comissões vereadores que nem reeleito foram, pode-se encontrar o Regimento interno do Legislativo. Sobre a convocação, formação e deveres das Comissões, o Regimento deixa claro, a partir do  Capítulo VI em artigo que se destacam abaixo:

Art. 27 – As Comissões são órgãos técnicos constituídos pelos próprios membros da Câmara, destinadas em caráter permanente ou transitório, a proceder estudos, emitir pareceres especializados e realizar investigações;

Art. 30 – As Comissões Permanentes poderão ser assistidas por técnicos que visem orientar seus membros sobre assuntos em exame;

Art. 33 – Compete à Comissão de Justiça e Redação manifestar-se quanto ao aspecto constitucional, legal ou jurídico de todos os assuntos entregues à apreciação e opinar sobre as proposições aprovadas pelo Plenário, quanto ao seu aspecto gramatical e lógico.

Claramente, o Regimento da Câmara Municipal de Catu aponta para a capacidade técnica e especializada dos componentes das Comissões para apreciar e emitir pareceres sobre os temas que lhes forem apresentados.  Mesmo assim, como todas as possibilidades expostas no Regimento Interno da Câmara, não se observou a existência de Lei Complementar que, por hierarquia legal, se sobrepõe a qualquer legislação estadual ou municipal. As Comissões que, podendo dispor de especialistas, aprovaram sem qualquer ressalva , observação ou emenda um texto que se apresentava em desalinho com as legislações criadas para enfrentamento da pandemia que avassala o país. Faltou competência? Veja abaixo link da sessão do dia 26 de fevereiro de 2021.

https://www.facebook.com/CamaraMunicipalCatu/videos/1191655821229426/

Segue abaixo link da sessão do dia 22 de fevereiro de 2021.

https://www.facebook.com/1192064574214953/posts/3635121646575888/

Segue abaixo link da sessão do dia 27 de fevereiro de 2021.

https://www.facebook.com/CamaraMunicipalCatu/videos/420030109430072/

Um passo atrás; prefeito derruba decretos

Assim, em meio a uma suposta notificação que teria sido feita pelo Ministério Público, o prefeito Pequeno Sales – PTB, em decreto não-numerado publicado no Diário Oficial do Executivo no último dia 25 de fevereiro, tornou sem efeito uma série de decretos que concedem percentuais de gratificações através da CET, os percentuais chegavam ao teto máximo de  70%. Entretanto, outras publicações não foram alcançadas pelo decreto de 25 de fevereiro. Ao analisar as publicações dos demais decretos, a Revista Catu Acontece percebeu que vários outros comissionados obtiveram percentuais de reajuste salarial através da CET. Nas datas 17 e 18 de fevereiro, por exemplo, o DOM traz decretos do mesmo tipo. Observou-se ainda que, a maioria dos decretos que concedem percentuais de CET, trazem data de assinatura em 29 de janeiro de 2021, embora publicados em datas diversas do mês de fevereiro.

Em nota publicada nas suas redes sociais, a Prefeitura de Catu asseverou que não derrubou a concessão da CET, apenas cancelou decretos que estariam duplicados. Em outra nota encaminhada ao Catu Acontece, a gestão municipal voltou a ratificar o pagamento da referida CET. Mas, a ser questionada se vi incompatibilidade entre a Lei 566/21 e a Lei Complementar 173/20, a Prefeitura Municipal não respondeu, limitando-se a perguntar qual seria a discordância.

Repercussão nas Redes Sociais

Nas redes sociais e grupos  de discussão em aplicativos, a matéria do Catu Acontece caiu como uma bomba. Em várias posts a que a redação teve acesso, foi comum a observação de que, caso tenha pago a CET, o gestor poderia ter incorrido em crime de responsabilidade administrativa, tendo em vista o veto à gratificação  previsto na Lei Complementar Nº  173/2020.

Em grupo de Whatsapp, um jurista chegou a sugerir que se fizesse uma emenda à Lei 566/2021,  que concede a CET. Tal expediente, legal e comum ao legislativo, teria por finalidade esclarecer que a Condição Especial de Trabalho – CET passaria a remunerar os servidores que fizessem jus a tal gratificação a partir de 2022. Seria razoável também que os vereadores fizessem emendas esclarecendo em quais condições os servidores poderiam receber a vantagem. Criando critérios claros a partir de grau de escolaridade, especialização profissional e expertise no desempenho das referidas funções para as quais foram nomeados. Essa gradação representaria respeito aos funcionários públicos, muitos com anos e anos de experiência e dedicação, graduados e pós-graduados,  que têm salários superados, em alguns casos, por comissionados que sequer possuem a mesma graduação ou experiência que os demais funcionários efetivos.

Ressalte-se que, todo esse trabalho pode ser em vão. Isso por que, outros juristas ouvidos pelo Catu Acontece alertam que, caso os pagamentos tenham sido realizados na folha de janeiro, já estaria caracterizado o crime de responsabilidade, tendo em vista a letra da Lei Complementar 173/2020.

Procuramos respostas junto à Prefeitura

Ontem, durante a elaboração da matéria, a jornalista Donaire Verçosa entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Catu através do endereço eletrônico ascom@catu.ba.gov.br. O contato visava abrir espaço para a versão da Prefeitura sobre o assunto e levantar informações sobre a pauta. Até o momento do fechamento da pauta, que foi às 16h de domingo 28/02, não houve registro de resposta às indagações ou qualquer informação sobre a questão da Condição Especial de Trabalho – CET, sua possível ilegalidade, face ao que expõem a Lei Complementar Nº 173/2020.

Assim como foi feito quando recebemos a resposta sobre a matéria “ Prefeito derruba CET de 52 cargos comissionados”, que embora publicada em rede social e não dirigida a essa redação, foi publicada e divulgada, ao recebermos as respostas sobre os questionamentos suscitados no e-mail, disponibilizaremos espaço para publicação e divulgação da mesma.

Salientamos, entretanto, que o fechamento das pautas obedece aos critérios que favoreçam a audiência, sendo nosso compromisso primordial com o leitor do Catu Acontece. Por isso, aguardamos mesmo depois do fechamento da pauta, a resposta da Assessoria sobre a referida pauta.

Oportunizar acesso a todas as versões, representa respeito ao leitor e ao que preconiza o Manual do Jornalismo. Ainda que alguns julguem que informar de maneira clara e objetiva sobre assuntos do interesse público seja “politicagem”, nada mais é do que a obrigação dos profissionais de comunicação.

Finamente, em 03 de março, recebemos os esclarecimentos solicitados e incorporamos as respostas ao contexto da matéria, ação que representa o respeito ao direto do contraditório e a total isenção na condução das matérias jornalísticas, além da necessidade de informar o leitor sobre todos os aspectos da pauta.

Por Jorge Andrade

Produção: Donaire Verçosa