‘Match’ abençoado: apps de paquera só para cristãos se proliferam e ganham adeptos
Com versículos bíblicos no perfil e fotos mais recatadas conquistam usuários apesar de serem malvistos por setores religiosos.
O “match” virou benção, as biografias têm versículos bíblicos e as fotos são mais comportadas, sem mostrar muito o corpo. O objetivo, porém, é o mesmo: unir casais. Aplicativos de relacionamento ao estilo do Tinder, mas exclusivos para cristãos, têm se tornado cada vez mais populares, atraindo jovens e, ao mesmo tempo, levando setores das igrejas a torcer o nariz. Quem aderiu segue na fé de que vai encontrar um grande amor, tendo exemplos que terminaram no altar como inspiração.

Evangélica, a jornalista Rafaella Siqueira, de 37 anos, conheceu o marido, o técnico em elétrica Judson Moura, católico da mesma idade, pelo app Amor em Cristo. Ela aderiu à plataforma — que não impõe uma determinação religiosa específica — por querer algo duradouro, enquanto nos apps comuns via que os homens só buscavam encontros casuais:
— A gente sabe o quão difícil é achar alguém que deseje um compromisso para a vida toda.
Eles começaram a namorar cinco dias após o primeiro encontro, em 2014, casaram em 2019 e atualmente têm duas filhas fruto do matrimônio.
O GLOBO localizou mais de dez aplicativos voltados ao público cristão, cada qual com suas peculiaridades. Eles miram vertentes distintas, como adventistas, anglicanos, messiânicos e católicos. Alguns se destacam em segmentos específicos, como o Quero Te Conhecer, desenvolvido pela Igreja Universal para uso exclusivo de seus fiéis.
Na maioria das plataformas é necessário responder, além da religião seguida, dados como a frequência em que participa de missas e cultos ou as formas preferidas de adoração. A interface funciona como qualquer app secular: o usuário dá “like” nos perfis pelos quais se interessa e descarta os que não gostar.

A combinação no aplicativo católico Caná entre os perfis da pedagoga paulista Ester Natalí Ferreira Barros, de 29 anos, e do engenheiro civil pernambucano Diogo César Figueirôa Barros, de 32, também terminou no altar. Os dois entraram no serviço na pandemia de Covid-19, quando conhecer alguém pessoalmente estava fora de cogitação. Em um mês, já estavam namorando.
— Quando vi que era de Recife, ignorei. Dois dias depois, ele puxou assunto falando da imagem dos meus santos de devoção, que estavam no meu perfil— lembra Ester, que acredita que provavelmente ainda estaria solteira se não fosse pela plataforma cristã. — Nós, com valores católicos, que, por exemplo, guardamos a castidade até casar, temos dificuldade de nos relacionar com quem pensa diferente.
Como achar um coração devoto
- Seja acessível: esteja aberto para conhecer novas pessoas. Simpatia, sorriso no rosto e bom humor não podem faltar nessa jornada, ensina o pastor Nelson Júnior. Saia da zona de conforto e se disponha a gastar tempo se conectando.
- Tenha precaução: não deixe que qualquer um acesse seus sentimentos — você precisa de filtros para entender quem terá esse privilégio ou não. É importante não negociar princípios e valores para estar numa relação, diz o pastor: entenda que você não é opção, mas um privilégio a ser conquistado.
- Observe o feedback: aprofunde a relação de acordo com o retorno do parceiro, para não ir com muita sede ao pote.
- Seja leal: vocês se aproximaram e já houve tempo suficiente para perceber o que está sentindo? Conversem com franqueza para ir ou não a um próximo nível de relacionamento. O pastor frisa que é preciso ter a maturidade de colocar na mesa a real intenção e não deixar tudo no ar de forma mal resolvida.
‘Vou encontrar aonde?’
Finais felizes assim são a meta dos solteiros que tentam a sorte nesse universo. O app do momento é o evangélico Achei Date, que viralizou ao ser indicado pelo pastor André Valadão, da Igreja Batista Lagoinha. Um de seus fiéis, Relyson Carlos, de 35 anos, ficou mais seguro a se aventurar com a “benção” do pastor.
— Sou um pouco tímido para conquistar alguém, no celular é mais fácil o início — diz o comerciário de Belo Horizonte.
Casada por nove anos, a dentista Mariana Fabris, de 37, se converteu durante a união, mas se separou ao entender que os dois já não compartilhavam dos mesmos objetivos. Solteira há um ano e meio, a moradora de Ponta Grossa (PR) busca um novo amor:
— Como sou cristã, não vou para festa e não me exponho a certos ambientes. Poxa, vou encontrar aonde? Quero casar de novo, formar uma família.
Mas não é qualquer app que vê com bons olhos a presença de divorciados. Idealizador da plataforma Caná, Ricardo Sá explica que, no catolicismo, após receber o sacramento do matrimônio a pessoa permanece casada se não houver a anulação junto à Igreja.
— O aplicativo tem como missão que cada vez mais jovens casem e tenham filhos, formando famílias nos valores cristãos — ressalta ele, que pensa em criar algo voltado para viúvos e viúvas.
Professor de Teologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, o pastor Andrea Musskopf avalia que os apps buscam romper o estigma de que o religioso deve esperar por um par “de forma natural”:
— Eles oferecem aos fiéis uma oportunidade de viver a sexualidade mais pura, mas também atendem à cobrança para que cristãos se relacionem só com pessoas da fé.
Há, contudo, resistência às plataformas de namoro, que vai desde congregações mais conservadoras, como a Assembleia de Deus, até líderes religiosos tidos como mais progressistas. O bispo Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, relata que, há 15 anos, sua igreja criou um site de relacionamento, mas a experiência foi desastrosa:
— A maioria dos contatos era de pessoas mal-intencionadas. Acabamos facilitando o acesso do lobo à ovelha.
Entre quem defende a tecnologia, sobram iniciativas. Uma delas é o Escolhi Encontrar, criado pelo pastor Nelson Júnior, também fundador do movimento Escolhi Esperar. Trata-se de um perfil no Instagram que, além de buscar unir casais, opera como uma espécie de consultoria amorosa, dando dicas de como encontrar um “amor cristão”.

Os apps de paquera religiosa
- Eden: Desenvolvida para cristãos, a ferramenta solicita a identificação como católico, protestante ou ortodoxo.
- Química Cristã: “Senhoras” ou “cavalheiros” cristãos são muito bem-vindos. Permite encontros do mesmo sexo.
- Caná: popular entre católicos, foi criado em 2021 por missionários. Traz conteúdos religiosos sobre amor.
- Salt: O usuário pode descrever como é sua relação com a fé e seu nível de envolvimento com a religião.
- Amor em Cristo: O usuário pode filtrar pela vertente do par dos sonhos e adicionar a frequência em que se vai à igreja.
- Achei: Virou febre após indicação de André Valadão, da Lagoinha. Descrição inclui versículo favorito
- Gospel Love: Usado sobretudo por evangélicos, o app permite que o usuário saiba de antemão quem curtiu seu perfil.
- Quero Te Conhecer: Criado pela Universal, é exclusivo para frequentadores das palestras chamadas de Terapia do Amor.