Entrevista: “Lula articulador é mais perigoso que Lula candidato para Bolsonaro”, diz Lavareda
Se, como gostava de dizer o udenista Magalhães Pinto, a política é como as nuvens, que mudam a cada olhar, o que se vê no cenário político brasileiro desde a tarde de ontem não é apenas uma nuvem, mas um furacão com potencial para virar a eleição de 2022 pelo avesso.
Com a decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), de anular as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato, o petista tornou-se o centro da corrida presidencial. O mercado acusou o golpe, expresso na queda do Ibovespa e na alta do dólar.
Mas, acima de todas as repercussões e ruídos causados pela notícia, as perguntas que devem ser feitas, neste momento, são: Lula ajudará a reeleger o presidente Jair Bolsonaro? Bolsonaro ajudará a eleger Lula? A polarização entre Lula e Bolsonaro abrirá caminho para uma terceira via?
Para respondê-las, Money Times conversou com Antônio Lavareda, um dos maiores cientistas políticos do Brasil, autor de obras clássicas da área, como Democracia nas Urnas. Para ele, Lula como cabo-eleitoral de uma ampla frente política de esquerda é muito mais perigoso para a reeleição de Bolsonaro, que como candidato.
“Como candidato, Lula ajudaria Bolsonaro a reaglutinar eleitores que estavam se desgarrando”, afirma Lavareda. Escaldado com as reviravoltas da política brasileira, o estudioso sublinha que essa análise é válida apenas “pelo preço de hoje”, ou seja, tudo pode mudar, bem ao gosto das nuvens sobre o Planalto Central.
Veja os principais trechos da conversa com Money Times:
Money Times – Lula ajudará a reeleger Bolsonaro, ou Bolsonaro ajudará a eleger Lula?
Antônio Lavareda – Lula, sem condenações pela Lava Jato, é totalmente diferente. Não só pelo aspecto de ser um condenado pela Justiça, mas por recuperar a legitimidade.
Qualquer pessoa que se reunisse com Lula, até a hora do almoço de ontem (8), seria acusada de se encontrar com um condenado. Mas um Lula articulador de uma ampla frente política de esquerda é muito mais perigoso, para Bolsonaro, que um Lula candidato.
MT – Por quê?
Lavareda – Porque, como candidato, Lula ajudaria Bolsonaro a reaglutinar sua base eleitoral. Pelas nossas contas, cerca de 20% dos eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 estavam se desgarrando. Mas o medo do PT e de Lula pode fazê-los voltar para os braços de Bolsonaro.
MT – Mas uma frente ampla de esquerda é viável? Ciro Gomes (PDT) já disse que não aceitaria…
Lavareda – Um exemplo bem próximo é o da Argentina. Na última eleição, no ano passado, Cristina Kirchner liderava as pesquisas de intenção de votos, mas estava muito envolvida em denúncias de corrupção. Ela abriu mão de sua candidatura e levou seu prestígio para Alberto Fernández.
Pode-se até dizer que, como vice-presidente na chapa de Fernández, Cristina ajudou na eleição, mas ninguém vota em vice. Hoje, é possível dizer que, se ela insistisse em sua candidatura, teria reeleito Maurício Macri, mesmo que por uma pequena diferença de votos. A dúvida é se Lula terá esse vislumbre.
MT – Mesmo que Lula aceite ser o principal cabo-eleitoral de uma frente de esquerda, ela seria viável? Houve dificuldades de articulação da esquerda nas eleições municipais, no próprio Congresso…
Lavareda – Se o PT acreditar que frente ampla de esquerda significa incorporar os demais partidos a uma candidatura petista, então, fica bem difícil.
O PT não pode colocar Lula como cabeça da chapa e oferecer a vice-presidência para outra legenda. É preciso um raciocínio mais estratégico. Mas, se isso prevalecer, é viável.
MT – Num cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro, haveria espaço para uma terceira via?
Lavareda – Sim, desde que essa terceira via tivesse uma latitude política abrangente. Ela poderia começar como uma chapa de centro-direita, mas teria que atrair partidos de centro-esquerda, como o PSB.
Se Lula for candidato, atrairá partidos que costumam ser aliados do PT, como o PCdoB e o PSOL, já que Guilherme Boulos ficaria asfixiado pela candidatura dele. Mas tudo é um problema de aritmética. A política é sempre um problema aritmético. O PT tem cerca de 25% dos votos. Ciro Gomes, por exemplo, tem 11%. Para onde irão esses votos?
Fonte: Money Times