Saúde

Conheça a cientista baiana que sequenciou o genoma do coronavírus no Brasil

Pesquisadora faz parte do grupo que estudou as amostras em tempo recorde

O sonho inicial era trabalhar com laboratório. Mas, quando a então estudante Jaqueline Góes, 30 anos, entrou na faculdade de Biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 2008, as coisas mudaram. “Eu nem imaginava que ia para pesquisa. Mas, quando entrei, a única coisa de laboratório que me interessou era análise clínica”, lembra. 

Essa semana, Jaqueline foi parar nas manchetes nacionais justamente pela pesquisa: mais especificamente por ter sido uma das pesquisadoras responsáveis pelo sequenciamento do genoma do coronavírus no Brasil. O grupo liderado por ela e pela pesquisadora Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo (USP), chamou atenção pela rapidez: os cientistas conseguiram analisar o material genético em pouco menos de 48 horas, ao lado do Instituto Adolfo Lutz e de pesquisadores da Universidade de Oxford. Para dar uma ideia, em outros países, pesquisadores chegaram a demorar 15 dias. 

“Essa semana foi uma loucura”, admitiu, ao CORREIO, por telefone. Em São Paulo, onde mora hoje para fazer o pós-doutorado no IMT, Jaqueline tentava equilibrar a rotina de pesquisadora – que passa das 12 horas de trabalho por dia – com os pedidos de entrevista. Encaixou a conversa entre outra entrevista e a participação em uma banca de monografia de um curso de especialização. 

“Me sinto privilegiada de ter conseguido chegar nessa etapa da vida. A ciência não é fácil. A gente passa por muitas situações complicadas que nos fazem querer desistir, mas, com o auxílio da família, persisti e estou aqui”, disse. 

Ainda na faculdade, no terceiro semestre, Jaqueline participou de uma seleção para ser bolsista de iniciação científica. O desempenho dela foi tão bom que uma professora a convidou para participar de um projeto na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA). Jaqueline entrou em um grupo de pesquisa naquela época e ficou até o ano passado, quando defendeu a tese de doutorado sobre vigilância genômica de arboviroses, na Universidade Federal da Bahia (Ufba). O mestrado, antes disso, foi na Fiocruz. 

Jaqueline nasceu em Salvador e estudou na Escola Bahiana, fez mestrado na Fiocruz e doutorado na Ufba (Foto: Acervo pessoal)

Pós-doutorado
Quando terminou o doutorado, recebeu uma sugestão do orientador: que buscasse algo fora da Bahia, talvez até fora do país. Ele defendia algo que muitos pesquisadores acreditam: que, na ciência, é preciso mudar de grupos de pesquisa e mesmo de orientação para abrir novos horizontes. O grupo da Fiocruz já trabalhava em cooperação com o da professora Ester Sabino e, por coincidência, soube que havia uma vaga de supervisão para pós-doutorado. 

“Era uma vaga internacional, então, concorri com pessoas do Brasil e do mundo. Continuo fazendo as coisas que eu fazia em Salvador, mas com foco em vigilância, trabalhando em colaboração com o Instituto Adolfo Lutz, que é o laboratório central”, explicou. 

Um dos projetos acompanha a zika pelo Nordeste, além de ter estudado surtos de febre amarela em Minas Gerais e o de chikungunya em Feira de Santana.

“A gente tem expertise nessa área. Quando soubemos do coronavírus, já começamos a nos preparar e pensar nos reagentes e coisas específicas para o vírus, devido à possibilidade de acontecer algum caso”. 

Quando o primeiro registro foi confirmado em São Paulo, na semana passada, o material genético foi enviado ao Instituto Adolfo Lutz para que fosse feita a contraprova. Foi quando o grupo de Jaqueline foi convidado a ajudar no sequenciamento. “Nós levamos a nossa tecnologia, porque eu já trabalhava com isso, mas com a dengue”, diz. Em 48 horas, o sequenciamento estava pronto. 

A diferença, segundo ela, foi a metodologia. Usando um aparelho sequenciador chamado minION, é possível analisar os resultados gerados praticamente em tempo real. Em outros laboratórios, é comum usar sequenciadores maiores, mais lentos e que não possibilitam análise em tempo real. Assim, apenas o sequenciamento pode demorar três ou quatro dias. 

Hoje, ela estuda a zika, a dengue e outras arboviroses (Foto: Acervo Pessoal)

A equipe é grande. Uma colega conseguiu, inclusive, baratear o custo do processo. Com reagentes mais baratos e que eliminam etapas, conseguiram reduzir o valor do sequenciamento de US$ 1 mil para até US$ 50 por amostra. 

“Fazer o sequenciamento, de fato, consiste basicamente em você descobrir a ordem de bases nucleotídicas presentes no genoma daquele vírus, ou seja, decodificar o vírus presente naquele paciente. Isso permite comparar com sequências da China, da Alemanha… Isso mostra como o vírus está circulando e permite tomar providências em relação à saúde pública”. 

Baiana de Salvador, Jaqueline sempre morou na Avenida Vasco da Gama. Foi lá que os pais se conheceram e é onde moram até hoje, do lado da via que engloba o Engenho Velho da Federação. Antes de se mudar para São Paulo, neste ano, Jaqueline continuava morando na Vasco, mas do lado que compreende o Acupe de Brotas. 

“Eles continuam lá. Eu que sempre tive asas”, explica. Durante o mestrado, passou um ano e meio em Ribeirão Preto (SP). No doutorado, estudou na Inglaterra por seis meses. “Agora, estou aqui (em São Paulo). Mas a vida de pesquisador é essa”. 

Fonte: Jornal Correio.

Redação