Baiana de 21 anos é a primeira brasileira a vencer prêmio da ONU sobre meio ambiente
Anna Luísa criou o Aqualuz, dispositivo que torna água potável através de raios solares
Ainda na escola, a baiana Anna Luísa Beserra traçou um objetivo: queria ser cientista e desenvolver projetos que mudassem a realidade das pessoas. Aos 21 anos, ela pode dizer que conseguiu mais do que isso: na última terça-feira (17), foi anunciada como a primeira brasileira a vencer o Prêmio Jovens Campeões da Terra da Organização das Nações Unidas (ONU) Meio Ambiente.
Anna Luísa é criadora do Aqualuz – um dispositivo que purifica a água através dos raios solares. Com o objetivo de levar água potável para quem não tem acesso a água limpa, a jovem biotecnologista – formada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) no ano passado – é a primeira brasileira a receber a honraria.
De acordo com a própria ONU, esse é o principal prêmio ambiental para jovens empreendedores com idades entre 18 e 30 anos.
“Nunca imaginei ganhar. A gente não tinha expectativa alguma”, contou Anna Luísa,
Ela viajou justamente porque parte do prêmio envolve participar da Semana do Clima nova-iorquina, que começa na segunda-feira (23) e vai até o dia 30. Além de receber o prêmio em uma cerimônia no dia 26, Anna Luísa vai dar uma palestra sobre o Aqualuz e sobre o próprio trabalho na conferência jovem, que acontece de forma paralela à programação principal.
“Sou uma pessoa muito tímida. Na escola, nunca gostei de apresentar trabalho. Mas, desde o início, fui tentando lutar contra essa timidez. Agora, já não travo em entrevistas, não travo mais em apresentação”, disse, aos risos.
Hoje, ela é a CEO da Safe Drinking Water for All (SWD), startup cujo principal produto é o Aqualuz. A equipe de 10 pessoas é formada, majoritariamente, por mulheres.
Jovem Cientista
A ideia inicial para o Aqualuz surgiu em 2013, quando ainda estava no Ensino Médio em uma escola particular de Salvador. Na época, viu um cartaz do Prêmio Jovem Cientista, do CNPq, cujo tema era água. Ainda que, morando em Salvador, não tivesse passado por nenhuma situação de falta de água, tinha estudado sobre a realidade, principalmente no semiárido.
Mesmo com ajuda de uma professora de Biologia e de um professor de Física, Anna Luísa não foi selecionada pelo prêmio. O pontapé mesmo para o Aqualuz sair do papel veio no curso de Biotecnologia na Ufba. Ainda no primeiro semestre, participou da incubadora da instituição – a chamada Inovapoli. Por um ano, entre 2015 e 2016, ela recebeu uma bolsa de iniciação tecnológica do CNPq para desenvolver o projeto.
“Foi bem surpreendente para mim (ter sido aprovada), porque eu era uma caloura concorrendo com gente mais avançada. Eu estava sozinha e um dos critérios era ter uma equipe. Zerei esse critério e ainda fui aprovada”, explicou.
O Aqualuz já teve umas dez versões até hoje, mas o conceito sempre foi o mesmo: captar água da chuva para transformar em potável pelos raios solares. O equipamento, feito de aço inox, é um reservatório com capacidade para 10 litros. Ele é encaixado na cisterna e, lá, faz um bombeamento com o aparelho da mesma cisterna.
“A cisterna faz a captação e o armazenamento da água da chuva, mas a água não é potável. A gente resolve isso com o tratamento do Aqualuz, porque a água fica exposta no reservatório por duas a quatro horas enquanto os raios ultravioleta fazem a desinfecção”, completou. Ou seja: os raios solares tratam a água.
Na hora que o líquido estiver próprio para consumo, um sensor avisa – um sinal que passa de preto para vermelho. Há uma manta acrílica no bombeamento para remover resíduos sólidos como poeira e insetos. Esse material, contudo, está sendo substituído por algodão e outros tecidos brancos mais comuns, para que a manutenção seja feita pelos próprios usuários.
“Essa versão de hoje tem, como diferenciais, a praticidade e a durabilidade. São dois diferenciais que a gente traz devido à evolução do feedback dos usuários. Essa aproximação com o público-alvo tornou o aperfeiçoamento possível”, contou.
Nordeste
Hoje, o Aqualuz está em 53 residências de cinco estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A escolha das casas foi feita através de parceiros, como seleções de fundações e projetos de aceleração que a startup participou.
A maior parte das casas – pouco mais de 30 – fica na Bahia, nas cidades de Cafarnaum, Campo Formoso, Feira de Santana e Morro do Chapéu. Ao todo, Anna Luísa estima que o dispositivo ajude atualmente 275 pessoas. Até o fim do ano, com a perspectiva de implantação no Maranhão, Piauí e Minas Gerais, ela estima que chegue a 700 pessoas. Até o início do ano que vem, o número deve mais do que dobrar, alcançando 1,5 mil usuários.
Tendo sido beneficiada, no início do projeto, com uma bolsa do CNPq, Anna Luísa se diz preocupada com a atual situação do órgão federal, que é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. Como o CORREIO mostrou, o CNPq estava com dificuldades para o pagamento das 84 mil bolsas de pesquisadores devido às restrições orçamentárias.
“Pensei em como eu estaria agora, tentando uma bolsa para iniciar o projeto e ela fosse cortada. O quanto isso não impactaria o projeto? Quem sabe se eu estaria alcançando as coisas como estou agora? São pessoas perdendo um incentivo essencial, porque isso pode estar fechando portas para pesquisadores desenvolvendo coisas surpreendentes que podem mudar vidas”, reforçou.
Com os recursos, Anna Luísa espera desenvolver mais a tecnologia, a exemplo da implantação de um aplicativo que possa acompanhar as famílias em tempo real, gerando relatórios automáticos, e da compra de equipamentos para análise da água in loco. Parte do dinheiro também deve ser usada para enviar unidades a países considerados estratégicos, como Angola e o Quênia. A ideia é que eles conheçam o Aqualuz para pedir mais unidades no futuro.
Além da viagem aos Estados Unidos, Anna Luís também vai receber um prêmio de US$ 15 mil, além de um aporte de US$ 9 mil para publicidade. Haverá, ainda, mentorias, com uma etapa de 10 dias de treinamento para os sete vencedores, na Alemanha. Os ganhadores são dos seguintes continentes: África, América do Norte, América Latina e Caribe, Ásia e Pacífico, Europa e Ásia Ocidental.
Criado em 2017, o Prêmio Jovens Campeões da Terra oferece a jovens ambientalistas o acesso à plataforma Campeões da Terra da ONU, cujos vencedores incluem chefes de Estado, cientistas e visionários ambientalistas que tenham liderança em questões ambientais.
Fonte: Correio 24 horas